Sou um cidadão do mundo, mas, primeiro que tudo, sou Malpiqueiro!

      Sem dúvida que seria muito mais acessível e glorioso confabular sobre as
metrópoles, o quão grandes são e a imensidão de oportunidades que têm para oferecer, falar das grandes indústrias e da constante mobilidade citadina.
      Porém, hoje, só hoje, os devaneios que aqui vos escrevo serão dedicados a um lugar mágico, esquecido e quase inóspito, face a este ritmo acelerado de vida e conformista a que a cidade nos habituou, mas que tanto me preenche o coração.
      Nos confins beirões, a pouco mais de 20 km da grande urbe, entrelaçado entre pinhais, hortas, olivais e baldios, surge num vale raiano, um povoamento de casas brancas caiadas e de palheiros de xisto, cuja idade ‘’sabe Deus’’ qual é – Malpica do Tejo – terra de adufes, do entrudo chocalheiro, da azeitona, das alcunhas icónicas e do estranho linguajar.
      Demograficamente, Malpica do Tejo chegou a ser a aldeia com mais população de todo o território nacional quando, nos anos 40, atingiu a população de 3300 habitantes. Hoje, restam poucos mais de 200 pessoas, resultado de um massivo êxodo rural, dado a partir dos anos 60, por uma população cansada e trabalhadora, para quem,  sem dúvida, as grandes metrópoles de Lisboa e Porto eram sinónimo de futuro.
      Um dos fenómenos que afama a aldeia de Malpica do Tejo são, sem dúvida, as alcunhas familiares. Desde tempos remotos que o apelido familiar do registo civil é pouco ou nada utilizado. Em vez disso, ao longo dos anos, o povo apelidava-se com alcunhas hilariantes consoante eventos do quotidiano, a título de exemplo são as seguintes: Nalguetas, Vinagres, Três-dias-sem-se-rir, Pão-E-Ovo, Cu-do-Banco, Cara-de- Cantcho, Rapadinhos, Quétche-Quétche, Mal-Casado, Rotchonas, Riguidons, Troca-
Tintas, Tchitcharas, Tchintchenas, Tchera-a-Gatcho, e mais uma lista interminável de alcunhas.

      Local onde outrora prestava-se culto a deuses celtas e romanos, os modernos malpiqueiros, como todos os povos ibéricos provincianos, são bastante religiosos. Todos os anos, em agosto, é realizado um festival em honra de Nossa Senhora das Neves e de São Domingos, que faz rejuvenescer a aldeia inteira de corpo e alma, trazendo de volta às origens, os filhos daqueles que (in)voluntariamente a tiveram de abandonar, em busca de melhores condições de vida.
      Nos quatro dias de festa, todos são malpiqueiros: os emigrantes de França, os que já lá vivem, os filhos dos que lá vivem, os curiosos das aldeias vizinhas e ainda os vizinhos espanhóis das aldeias raianas. Todos em busca de fraternidade, convívio, das migas de peixe, dos buchos e das morcelas, dos chouriços e dos queijos, mas também da ‘’velha amiga’’ cevada, que jamais pode faltar.
      No que concerne aos pontos positivos do povoado, sem dúvida que o mais evidente é o contacto com o meio rural e os baixíssimos níveis de co2, maioria deste proveniente da indústria da celulose, em Vila Velha de Rodão.
Os pontos negativos, diria que rondam muito à volta da acessibilidade. Isto no sentido em que a rede viária está ultrapassada, adequada a tempos antigos, quando a locomoção era feita maioritariamente por equídeos, com estradas de pavimento irregular e algumas ruas incrivelmente estreitas. Os meios de transportes também não são nada abundantes, dificultando assim a vida a quem depende dos mesmos para se deslocar à cidade. Existe apenas uma carreira que parte de manhã, e volta apenas à tarde. De qualquer das maneiras, muitos têm sido os esforços da Câmara Municipal
de Castelo Branco e da Junta de Freguesia de Malpica do Tejo para que a aldeia acompanhe (ou pelo menos tente) as tendências do mundo atual e proporcionar uma melhor qualidade de vida à população ‘’corajosa’’ que ainda lá reside.
      Em suma, já Sócrates dizia: ‘’ Eu não sou ateniense nem grego, mas sim um cidadão do mundo’’, pois eu, meus caros, sou um cidadão do mundo, mas primeiro que tudo, sou malpiqueiro!

Viva o interior!

Texto: Frederico Ferreirinho 

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