Para o cidadão comum do mundo Ocidental não é estranho ouvir a palavra “Venezuela”. Porém, raramente as razões são positivas e já é difícil dissociar o nome do país dos acontecimentos infelizes noticiados no quotidiano. Quando o sujeito é a Venezuela, a conotação do complemento direto é quase sempre negativa: “crise”, “fome”, “populismo”. Mas por trás destes problemas, existe um país de grande potencial (detém as maiores reservas petrolíferas a nível mundial) que tarda em ser explorado, portanto quais são os fatores que promovem tamanha instabilidade?
No espectro político, o país é sobejamente conhecido pela sua matriz governativa ligada à esquerda. Todavia, está longe de ter uma democracia representativa plena: predomina um regime autoritário competitivo, onde o partido no poder pode ser desafiado e inclusive enfraquecido (como demonstra a representação na Assembleia Nacional ou a aproximação de Guaidó ao poder em 2018), mas a sua liderança é incontestada. Como tal, longe de um cenário democrático, o Partido Socialista Unido da Venezuela tem total controlo nas decisões políticas, económicas e sociais.
Embora o combate à pobreza, a redistribuição da renda e inclusão social se tenham revelado eficazes numa primeira fase do governo de Hugo Chávez, rapidamente surgiram as repercussões da inflexibilidade governativa: a limitação do pluralismo e liberdade individual, bem como a economia unidimensional (extremamente dependente do petróleo e, por consequência, sujeita à volatilidade desse mercado) fomentaram a crise económica e social hoje vivida.
Nos dias correntes encontramos um país delapidado economicamente, pautado pela hiperinflação (em 2019, uma família precisava de 77 salários mínimos para realizar a sua alimentação básica), dependente de apoios externos e em confronto político com o seu principal parceiro comercial, os Estados Unidos da América. No domínio demográfico e social, o cenário é igualmente desanimador: a população carece de bens alimentares, higiénicos e de um sistema de saúde eficaz. Isto originou a emigração ilegal de mais de 5 milhões de habitantes para países da América Central e do Sul, o que inclusive levou Nicolás Maduro a tomar a radical decisão de fechar as fronteiras em 2020. Se o contexto já era difícil, a pandemia Covid-19 só agravou o mesmo. Ainda assim, as decisões políticas mantêm-se muito questionáveis, como demonstra a recente rejeição de todas as vacinas excetuando aquelas produzidas por… Rússia e China.
A soma de todos os fatores torna o contexto vivido pela Venezuela um pesadelo em forma de realidade. Contudo, a recuperação não é impossível. Será muito lenta, mas nunca impossível. Num mundo ainda movido pelos combustíveis fósseis, caso a Venezuela resolva os seus impasses geopolíticos, tem no petróleo um possível bom motor para a recuperação económica e crescimento do PIB. Aprender com os erros do passado e diversificar o setor económico pode ajudar a solidificar uma boa base para o futuro. Simultâneo ao processo de recuperação da economia, o país deve procurar suprir as necessidades básicas dos seus habitantes, a grande lacuna atual do país e aquela que deve ser a principal prioridade de qualquer governo.
Infelizmente, para o caminho ser percorrido, é necessária vontade de caminhar. E com um governo não-democrático, que promove o moralismo e o benefício próprio em detrimento das necessidades do país e da sua população, o primeiro passo tarda em ser dado. Portanto, talvez a recuperação possa começar por aí: a implementação de uma democracia representativa que realmente zele pelos interesses deste magnífico (mas malogrado) país.
Texto: Alexandre Domingos
Imagem: Protestos da população Venezuelana perante as condições de vida precárias. Autor desconhecido.
Referências Bibliográficas:
Nogueira, J. M. (2015). América do Sul: uma visão Geopolítica. Instituto da Defesa Nacional.
BBC. (13 de janeiro de 2020). Venezuela crisis: How the political situation escalated, de BBC: https://www.bbc.com/news/world-latin-america-36319877
Stewart, J. (5 de Outubro de 2012). The politics of inequality and redistribution in Latin America, de United Nations University: https://unu.edu/publications/articles/the-politics-of-inequality-and-redistribution-in-latin-america.html#info